Alimentação na primeira infância e deficiências nutricionais mais comuns no Brasil

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​A primeira infância é um período de intensas demandas nutricionais e, ao mesmo tempo, uma fase em que diversas dificuldades podem ser enfrentadas no que diz respeito à alimentação1. As quedas nas taxas de amamentação, a introdução precoce do leite de vaca e de espessantes à base de cereais, a introdução alimentar inadequada, seja por desinformação e/ou em consequência a um status socioeconômico desfavorável, e as fases recorrentes de desinteresse pelos alimentos por parte da criança são fatores que podem impactar negativamente na alimentação infantil, levando à inadequação da ingestão de nutrientes-chave para o processo de desenvolvimento e tornando algumas deficiências nutricionais comuns nesta faixa etária, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil1-3

Um estudo de revisão sistemática avaliou o consumo energético e de micronutrientes por crianças brasileiras e observou que existe uma elevada frequência de inadequação no consumo de vitaminas e minerais, especialmente com relação à vitamina A, ao ferro, ao zinco4. Além disso, 4 dos 16 estudos avaliados nesta revisão reportaram consumo de calorias acima do recomendado para a faixa etária, indicando um possível padrão dietético com reduzida densidade de nutrientes e elevada densidade energética4.

A deficiência de ferro na infância é uma realidade bastante prevalente no Brasil e leva à anemia, que pode impactar no crescimento longitudinal e no desenvolvimento neurocognitivo das crianças5. Uma revisão sistemática, que incluiu estudos entre 1996 e 2006, demonstrou que a prevalência de anemia entre crianças que visitaram o sistema de saúde neste período variou de 55.1 a 89.1% entre crianças de 0 a 24 meses6. Além desta elevada prevalência nacional, é importante ressaltar que ela é uma realidade bastante disseminada, com taxas expressivas de prevalência em todas as regiões do país. Estudos populacionais recentes desenvolvidos no norte, nordeste e sul demonstram prevalências de anemia ao redor de 40%, 50% e 70%, respectivamente7-9.

Com relação à deficiência de vitamina A, uma análise de dados nacionais que incluiu mais de 3,417 crianças brasileiras entre 6 e 59 meses avaliou a deficiência deste nutriente (definida como retinol sérico <0.7 mol/L) na população e observou deficiência de vitamina A em 17% da população estudada e o estrato social em que a criança se enquadra parece ter impacto significativo na adequação deste nutriente10.

O zinco também é um mineral essencial nesta fase da vida, com funções estruturais, bioquímicas e regulatórias cruciais ao desenvolvimento adequado, porém com elevada taxa de deficiência entre as crianças brasileiras. Um estudo de revisão da literatura avaliou 32 estudos relacionados à deficiência de zinco nesta faixa etária e observou que a deficiência deste mineral apresenta uma elevada variabilidade a depender da região estudada e de fatores individuais de cada criança e família envolvida, oscilando entre 0 e 74%, sendo que a maioria dos estudos reportam inadequações mais próximas a este valor máximo11.

A vitamina D também é um nutriente chave no crescimento e mineralização óssea adequada através do controle direto no metabolismo do cálcio e fósforo. Um estudo multicêntrico avaliou 3058 crianças em escolas públicas e privadas de 9 cidades brasileiras e observou que 90% da população estudada tinha uma ingestão inadequada de vitamina D, caracterizando um risco aumentado para a deficiência deste nutriente12.

Além dos micronutrientes mencionados, os ácidos graxos essenciais, especialmente o Ácido Graxo Docosahexaenóico (DHA), é um nutriente chave no desenvolvimento infantil, porém com elevada taxa de insuficiência nesta faixa etária. Um estudo demonstrou que as crianças brasileiras possuem baixo teor de DHA incorporado em seus eritrócitos (0,17%), o que representa uma concentração 15 vezes menor que a encontrada em crianças canadenses e 25 vezes menor que a observada em crianças chinesas13. De forma semelhante, um estudo brasileiro que verificou o perfil de ácidos graxos nos eritrócitos de 149 crianças de 1 a 3 anos em creches públicas de 4 centros diferentes do país observou baixas incorporações de ácidos graxos poliinsaturados, principalmente do DHA e Ácido Araquidônico (ARA) nos fosfolipídios dos eritrócitos, o que está relacionado a possíveis repercussões negativas no crescimento e desenvolvimento infantil14.

O déficit dos nutrientes mencionados - e de outros não abordados neste texto, além de ser um risco à saúde das crianças durante o curso da deficiência, também pode impactar no desenvolvimento neurocognitivo a longo prazo e em desfechos metabólicos na vida adulta. O desenvolvimento cerebral, por exemplo, é um dos mais afetados pela qualidade do ambiente em que a criança está inserida, sendo que estudos em animais demonstraram que a desnutrição e a anemia são fatores com impacto na cognição e emoção que podem perdurar em fases futuras da vida15,16. Assim, políticas públicas de acesso à alimentação adequada na primeira infância, bem como ações de educação nutricional de pais e crianças são medidas fundamentais para que estas deficiências mais prevalentes e outras sejam prevenidas nesta fase crucial do desenvolvimento3,16.

 

REFERÊNCIAS

  1. Castro, M.A et al. Children´s nutrient intake variability is affected by age  and body weight status according to results from a Brazilian multicenter study. Nutrition Research 34 (2014) 74-84.
  2. Bruins MJ, Bird JK, Aebischer CP, Eggersdorfer M. Considerations for Secondary Prevention of Nutritional Deficiencies in High-Risk Groups in High-Income Countries. Nutrients. 2018;10(1):47.
  3. Haimi M, Lerner A. Nutritional deficiencies in the pediatric age group in a multicultural developed country, Israel. World J Clin Cases. 2014;2(5):120-125.
  4. Carvalho CA, Fonsêca PC, Priore SE, Franceschini Sdo C, Novaes JF. Consumo alimentar e adequação nutricional em crianças brasileiras: revisão sistemática [Food consumption and nutritional adequacy in Brazilian children: a systematic review]. Rev Paul Pediatr. 2015;33(2):211-221.
  5. da Silva LLS, Fawzi WW, Cardoso MA; ENFAC Working Group. Factors associated with anemia in young children in Brazil. PLoS One. 2018;13(9):e0204504. Published 2018 Sep 25.
  6. Vieira RCS, Ferreira HS. Prevalência de anemia em crianças brasileiras, segundo diferentes cenários epidemiológicos (Prevalence of anemia in Brazilian children indiferente epidemiological scenarios). Rev Nutr. 2010;23: 433–444.
  7. Silla LM, Zelmanowicz A, Mito I, Michalowski M, Hellwing T, Shilling MA, et al. High prevalence of anemia in children and adult women in an urban population in southern Brazil. PLoS One. 2013.
  8. Cardoso MA, Scopel KK, Muniz PT, Villamor E, Ferreira UM. Underlying factors associated with anemia in Amazonian children: a population-based, cross-sectional study. PLoS One. 2012;7: e36341.
  9. Vieira RCDS, Livramento ARSD, Calheiros MSC, Ferreira CMX, Santos TRD, Assunção ML, et al. Prevalence and temporal trend (2005–2015) of anaemia among children in Northeast Brazil. Public Health Nutr. 2018;21: 868–876.
  10. Lima DB, Damiani LP, Fujimori E. Vitamin A deficiency in brazilian children and associated variables. Rev Paul Pediatr. 2018;36(2):176-185.
  11. Pedraza DF, Sales MC. Brazilian studies on zinc deficiency and supplementation: emphasis on children. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. [online]. 2017, vol.17, n.2, pp.217-232.
  12. Bueno MB, Fisberg RM, Maximino P, Rodrigues Gde P, Fisberg M. Nutritional risk among Brazilian children 2 to 6 years old: a multicenter study. Nutrition. 2013 Feb;29(2):405-10.
  13. Finn S, Culligan EP, Snelling WJ, Sleator RD. Early life nutrition. Sci Prog. 2018;101:332-59.
  14. 39o Congresso Brasileiro de Pediatria. Weffort VRS, De Barros KV, De Morais, MB, Laranjeira M, Maranhão HS. Perfil de ácidos graxos dos eritrócitos de crianças de 1 a 3 anos de idade de creches públicas em quatro centros brasileiros. 2019. Disponível em: <http://www.danonebaby.com.br/wp-content/uploads/2019/10/BAIXE-AQUI_Desdobramento-Material-Booklet.pdf>.
  15. Grantham-McGregor S, Cheung YB, Cueto S, et al. Developmental potential in the first 5 years for children in developing countries. Lancet. 2007;369(9555):60-70.
  16. Kolb B, Gibb R. Brain plasticity and behaviour in the developing brain. J Can Acad Child Adolesc Psychiatry. 2011;20(4):265-276.

 

07/02/2024

 

 

 

 

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