Importância das proteínas, dos lipídios e da microbiota intestinal no imprinting metabólico e na prevenção das DCNTs

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A modulação da saúde na vida adulta através da nutrição no início da vida.

 O imprinting metabólico, inicialmente descrito por Barker e colaboradores, é um fenômeno pelo qual um estímulo ou bloqueio que ocorre durante um período crítico do desenvolvimento impacta em efeitos a longo prazo nas respostas fisiológicas e metabólicas do indivíduo (1,2). Este fenômeno pode acontecer desde a fase intra-uterina, mas o período que compreende do nascimento até os 2 anos de idade, especialmente durante a lactação, é considerado um dos momentos mais cruciais no que diz respeito ao papel - e capacidade - da nutrição em modular desfechos posteriores quanto ao gerenciamento de peso e à determinação da susceptibilidade ao desenvolvimento de desordens metabólicas e doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) (3-5).

​Apesar de existir um modelo multicausal de variáveis explanatórias para desfechos metabólicos na vida adulta, as evidências epidemiológicas têm sido cada vez mais robustas no tangente ao papel que alguns macronutrientes, especialmente as proteínas e gorduras, e a microbiota intestinal podem desempenhar na determinação da predisposição a longo prazo para o desenvolvimento de obesidade e doenças correlatas, bem como de desordens imunológicas (5).  Assim, ações preventivas ao longo dos primeiros 1000 dias de vida - da concepção aos 2 anos de idade, com foco na adequação da ingestão dietética materna e do lactente, devem ser desenvolvidas não apenas por uma relação direta e imediata entre ingestão alimentar e desfechos no peso e na saúde do lactente mas, principalmente, pela capacidade de ajustes e desajustes epigenéticos que estes fatores podem acarretar na vida adulta (6).

O PAPEL DAS PROTEÍNAS NO IMPRINTING METABÓLICO

Com base em estudos observacionais e de intervenção, a proteína está entre as variáveis dietéticas que claramente são chaves na regulação de peso e do crescimento durante a infância, mas também na programação metabólica para a vida adulta (7,8). O papel da proteína no crescimento linear do lactente na saúde imunológica e no desenvolvimento neuro-cognitivo é inegável, porém a "hipótese da proteína precoce" sugere que a ingestão elevada de proteínas no início da vida aumenta a circulação de alguns aminoácidos essenciais, como os ácidos graxos de cadeia ramificada (BCAA), o que estimula maior secreção de insulina e IGF-1, hormônios anabólicos que favorecem a lipogênese e podem promover o ganho de peso a curto e longo prazo (9).

Esta hipótese foi testada em larga-escala, em um estudo randomizado e controlado, em que se comparou desfechos da aplicação de fórmulas isocalóricas, sendo uma com elevada carga de proteínas (4.4 g de proteína/100 kcal) e outra com carga reduzida (2.2 g de proteína/100 kcal), do nascimento até 12 meses, e aqueles do grupo de menor consumo proteico, demonstraram uma trajetória de ganho de peso mais suave e comparável a lactentes amamentados com leite materno. Além disso, observou-se um ganho de comprimento muito próximo entre os dois grupos, evidenciando o papel do excesso de proteínas apenas no ganho de peso, sem incrementos significativos no comprimento (8). Fato curioso é que estudos de coorte com este mesmo propósito, que acompanharam as crianças até idades mais avançadas, observaram que este padrão acelerado de ganho de peso, sem incrementos proporcionais na estatura, parece se manter até a idade escolar e adiante, demonstrando o impacto epigenético do excesso de proteínas em fases iniciais da vida na regulação metabólica a longo prazo (10).

Contudo, apesar de os aspectos quantitativos da proteína estarem correlacionados com os efeitos acima mencionados, o papel da qualidade e da fonte proteica nas trajetórias de crescimento e ganho de peso e risco para obesidade, que são essenciais para a determinação de estratégias alimentares mais seguras, ainda permanece sem resposta (5).

O PAPEL DAS GORDURAS NO IMPRINTING METABÓLICO

Uma ingestão adequada de gorduras é fundamental no início da vida e desempenha papel importante no crescimento e desenvolvimento (11). Mas, além disso, a quantidade e tipo de gorduras consumidas nos estágios iniciais de vida parecem desempenhar efeitos a longo prazo importantes, apesar de os mecanismos envolvidos neste processo não estarem completamente esclarecidos (12). Um estudo de revisão apresentou dados bastante robustos quanto a relação direta entre a quantidade e tipo de gorduras ingeridas pela mãe durante período perinatal e ao longo da lactação na concentração e tipo de gordura compondo membranas celulares em tecidos do lactente, bem como em desfechos metabólicos tardios (13).

Desde o período intrauterino observa-se plena translocação placentária de ácidos graxos da gestante para o feto, em quantidades proporcionais ao consumo materno. Assim, desbalanços no consumo da mãe nestes períodos podem resultar em desequilíbrios permanentes para a prole no que diz respeito a questões metabólicas e fisiológicas, tais como controle do apetite, função neuroendócrina e metabolismo energético (13).

Os efeitos dos Ácidos Graxos Poli-insaturados de Cadeia Longa (LC-PUFAS) no metabolismo a longo prazo podem ter início em fases muito iniciais do desenvolvimento embrionário, uma vez que eles impactam na expressão de genes envolvidos, por exemplo, com a formação e modulação do tecido adiposo, que se inicia ainda na fase intra-uterina (14-16). Estudos em modelo animal demonstraram o efeito da aplicação de uma baixa razão ômega 6/ômega 3 no período perinatal com menor balanço energético positivo, menor ingestão calórica, menos gordura corporal e melhor metabolismo da glicose em fases mais tardias de vida. Estes achados se devem à capacidade que os LC-PUFAS possuem em remodelar a morfologia do tecido adiposo para aumentar a circulação de adiponectina (hormônio envolvido no metabolismo de glicose e ácidos graxos), resultando em um fenótipo persistente até a vida adulta, com melhor flexibilidade metabólica, que previne a obesidade induzida pela dieta (17).

 Os LC-PUFAS, especialmente o DHA, desempenha efeitos fundamentais no neurodesenvolvimento e imunidade nos primeiros 1000 dias, que perduram em fases posteriores da vida. Ao ser incorporado nas membranas celulares, o DHA confere maior fluidez, flexibilidade e atua na permeabilidade da membrana, atuando diretamente na função celular. O sistema nervoso e a retina são os órgãos cujas células concentram a maior parcela de DHA do organismo humano, fato que explica a importância deste nutriente no desenvolvimento e modulação das funções neurológicas e da visão. Além disso, o DHA tem impacto fundamental na imunidade, atuando principalmente através da redução da inflamação sistêmica e aumentando a atividade de linfócitos B (18).

O ácido araquidônico (ARA) também é conhecidamente transferido através da placenta e do leite materno para o feto/lactente, e desempenha conhecidos efeitos na estrutura das membranas celulares e no desenvolvimento do sistema nervoso central mas, além disso, este ácido graxo possui capacidade de metilação do DNA, podendo desempenhar imprintings metabólicos, especialmente quanto ao risco de desenvolvimento do Diabetes tipo 2, obesidade e autismo (19).

A dieta materna rica em gorduras saturadas e trans, chamada popularmente nos estudos de "dieta de lanchonete", parece desempenhar efeitos negativos, e também persistentes até a vida adulta, quanto ao manejo do peso corporal e dos riscos cardiovasculares (5,13).

O PAPEL DA MICROBIOTA INTESTINAL NO IMPRINTING METABÓLICO

Ao longo da última década, o microbioma emergiu como um dos maiores contribuidores para uma saúde adequada (20). Assim, observou-se que a formação da microbiota intestinal nos estágios iniciais da vida parece desempenhar um papel crucial não apenas na saúde presente do lactente mas também na fase adulta (20).

As evidências científicas têm demonstrado cada vez mais que a o aleitamento materno é uma das formas mais efetivas para se moldar a microbiota intestinal no início da vida, tanto diretamente pela exposição do recém-nascido à microbiota do leite quanto indiretamente, por meio de fatores do leite materno que afetam o crescimento bacteriano e o metabolismo, como oligossacarídeos do leite humano, IgA secretora e fatores antimicrobianos (21). O perfil de microrganismos observados em lactentes que recebem leite materno é bastante diverso do que se vê entre lactentes que recebem fórmula infantil, especialmente no que diz respeito à variedade  de microorganismos. Considerando que cada cepa de microrganismo pode desempenhar uma função benéfica específica na microbiota intestinal, uma maior variedade representa um arsenal melhor contra patógenos e a favor da saúde do lactente (21).

Já os quadros de disbiose no lactente têm sido associados com o desenvolvimento futuro de doenças imunomediadas, metabólicas e desordens do neurodesenvolvimento, tais como o diabetes tipo 1, a doença celíaca, atopias e obesidade (22-25). Diversos fatores podem contribuir para o desbalanço da microbiota intestinal, tais como o tipo de parto, o uso de antibióticos, hábitos de higiene, localização geográfica e a dieta (26). Apesar da necessidade de mais estudos para confirmar as teorias que vêm sendo propostas quanto a este tópico, a vulnerabilidade da microbiota intestinal às influências externas parece reduzir com o tempo, ou seja, o ambiente pode moldar substancialmente a composição da microbiota nas fases iniciais da vida, com redução desta capacidade na vida adulta.

Desta forma, os achados até o momento condizem com as teorias que suportam o microbioma humano como um participante ativo na origem de condições de saúde e doença ao longo do desenvolvimento, especialmente em fases iniciais da vida. (22, 26).

CONCLUSÃO

Diante do exposto, observa-se o papel da dieta nas fases iniciais da vida como uma das variáveis envolvidas no imprinting metabólico, a qual é capaz de determinar possíveis desfechos negativos na vida adulta, seja de uma forma direta, através de nutrientes chave, ou de uma forma indireta, através da modulação da microbiota intestinal. Os primeiros 1000 dias de vida são uma janela entre o período intra-uterino e os dois anos de idade, que parece ser crucial neste processo e, portanto, cuidados na dieta materna e do lactente que garantam um perfil nutricional adequado às necessidades desta fase são essenciais para garantir desfechos positivos na vida adulta (5).

 

 

REFERÊNCIAS

1. Barker, D. J. (2001) The malnourished baby and infant. Br. Med. Bull. 60, 69– 88.

2. Barker, D. J., Winter, P. D., Osmond, C., Margetts, B, and Simmonds, S. J. (1989) Weight in infancy and death from ischaemic heart disease. Lancet 334, 577– 580.

3. Vickers MH, et al. Fetal origins of hyperphagia, obesity, and hypertension and postnatal amplification by hypercaloric nutrition. Am J Physiol Endocrinol Metab. 2000;279(1):E83–7.

4. Jones AP, Dayries M. Maternal hormone manipulations and the development of obesity in rats. Physiol Behav. 1990;47(6):1107–10.

5. Vaiserman A (Ed.). Early Life Origins of Ageing and Longevity. Springer. 2009;87-101.
6. Reidy K.C., Deming D.M., Briefel R.R., Fox M.K., Saavedra J.M., Eldridge A.L. Early development of dietary patterns: Transitions in the contribution of food groups to total energy—Feeding infants and toddlers study, 2008. BMC Nutr. 2017;3:5.

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8. Koletzko B., von Kries R., Closa R., Escribano J., Scaglioni S., Giovannini M., Beyer J., Demmelmair H., Gruszfeld D., Dobrzanska A., et al. Lower protein in infant formula is associated with lower weight up to age 2 years: A randomized clinical trial. Am. J. Clin. Nutr. 2009;89:1836–1845.

9. Koletzko B., Demmelmair H., Grote V., Prell C., Weber M. High protein intake in young children and increased weight gain and obesity risk. Am. J. Clin. Nutr. 2016;103:303–304. doi: 10.3945/ajcn.115.128009.

10. Totzauer M., Luque V., Escribano J., Closa-Monasterolo R., Verduci E., ReDionigi A., Hoyos J., Langhendries J.P., Gruszfeld D., Socha P., et al. Effect of lower versus higher protein content in infant formula through the first year on body composition from 1 to 6 years: Follow-up of a randomized clinical trial. Obesity. 2018;26:1203–1210.

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07/02/2024



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